Alguns tipos de doença podem afetar drasticamente nossas células atacando diretamente o DNA. Vírus costumam agir dessa maneira para sua reprodução. Invadem uma célula sadia, buscam e capturam a sequência proteica que necessitam dentro da cadeia do DNA da célula invadida e criam dois novos “indivíduos virais”, que deixam para trás a célula destroçada e partem para buscar outras células e se reproduzirem, numa sequência exponencial de invasão e destruição. Isso ficou claro, com a pandemia do Sars-COV-2.
Agora imagine o tempo que levaria para dar uma resposta vacinal a essa pandemia, caso ainda tivéssemos laboratórios como os da década de 70. Talvez nossos cientistas a esta altura estivessem tentando encontrar a melhor maneira de fazer com que produzíssemos vacinas na quantidade como a que foi usada a partir de 2021. A mortalidade seria absurda e os recursos materiais e humanos para a área da Saúde estariam exauridos no mundo todo.
Mas, com a possibilidade do uso de ferramentas de Inteligência Artificial na construção de modelos e na formulação de cenários, a partir dos bancos de dados já existentes e da comparação e cooperação de trabalhos correlatos, foi possível uma resposta em tempo razoável para combater a pandemia. A primeira descrição do “spike” do Sars-CoV2 foi apresentada menos de 50 dias após a identificação do vírus responsável pela COVID. Em tempos normais, esse prazo poderia chegar a 24 meses.
A partir daí, formulou-se rapidamente e colocou-se à disposição a primeira vacina que utiliza a tecnologia do RNA Mensageiro, pela empresa Pfizer-BionTech. Como um “chatbot” o RNA Mensageiro leva para as células a “código-fonte” para que a célula identifique o “spike” como inimigo e avise o sistema imunológico. Uma vez avisado, o sistema imunológico irá combater e matar os “spikes” virais que encontrar. Uma vacina mais barata, mais eficiente e mais rápida na resposta a mutações do vírus do que as tradicionais vacinas com formas inativadas ou atenuadas do vírus.
Outro caso recente chama a atenção. Ainda não temos aqui a presença total da Inteligência Artificial, mas a agilidade proporcionada pelas ferramentas e programas disponibilizados aos pesquisadores, também levou à economia expressiva de tempo e recursos materiais e humanos, para se chegar a um resultado que era esperado há muito tempo, por pessoas do mundo todo. É a possibilidade de cura da chamada Anemia Falciforme. A doença caracteriza-se por apresentar hemácias em formato de foice, no sangue das pessoas portadoras.
Tais células apresentam rigidez e dificultam a passagem do sangue pelos principais órgãos. É uma doença genética, ou seja, é transmitida de geração em geração por indivíduos portadores para seus descendentes. É também caracterizada como uma anemia que atinge a população negra, exclusivamente. No Brasil estima-se que 8% dessa população seja afligida pela Falciforme. (6.1) No mundo todo podem chegar a 400 mil casos, atingindo principalmente crianças, a maioria delas vivendo na África Sub-Saariana.
O resultado da combinação, desenvolvida pelas empresas farmacêuticas Vertex e CRISPR – Therapeutics. O uso de uma ferramenta de manipulação chamada CRISPR-Cas9 (que rendeu Prêmio Nobel em Química no ano de 2020 para suas criadoras, a estadunidense Jennifer A. Doudna e a francesa Emmanuelle Carpentier), com os recursos de Inteligência Artificial, permitiu o anúncio da primeira cura conhecida de um caso de Anemia Falciforme, o da americana Victoria Gray. crispiér
Para entender essa cura é preciso saber que durante a gravidez, o feto não apresenta a anomalia das hemácias, que funcionam corretamente. Logo após o nascimento, um gene identificado como “BCL11A” desliga a produção de hemácias normais no bebê. Com o uso da CRISPR-Cas9 foi possível localizar esse gene e “cortá-lo” na paciente já adulta, interrompendo assim a ordem de “desligar” a produção de hemácias. O passo seguinte da cura, foi transfundir células-tronco modificadas da própria mulher para a sua medula óssea. Assim o próprio organismo passou a identificar as hemácias defeituosas presentes no sangue como intrusas e eliminou todas, enquanto começava a produzir novas hemácias, agora normais, curando a paciente. Ainda é uma técnica caríssima, mas em breve deve ser barateada e ser colocada à disposição de outras pessoas que sofrem desse mal.
A Inteligência Artificial já está presente em todas as áreas da Medicina, da Biologia e da Química. A telemedicina, já é uma realidade. Hoje os diagnósticos são mais rápidos e precisos, o resultado de exames laboratoriais e físicos também. Imagine o quanto pode ser economizado pelo Poder Público só em papel e trabalho burocrático com a substituição de arquivos de identificação e fichas médicas de pacientes, por arquivos digitais.
E com pesquisa, você imagina o quanto cada real investido numa pesquisa que leve a cura a milhões de pessoas pode resultar em economia de atendimentos ambulatoriais e hospitalares? E o quanto o investimento com a pesquisa para inovação de ferramentas de Inteligência Artificial pode resultar em eficiência burocrática, desempenho acadêmico ou avanço tecnológico agro-industrial? Saber balancear os resultados que pode proporcionar a Inteligência Artificial, com o custo social que esse avanço tecnológico pode causar, é a chave para a administração pública no futuro.