This is a man’s world (Este é um mundo de homens) / But it would mean nothing (Mas não seria nada) /Nothing without a woman or a girl (nada, sem uma mulher ou uma menina)
Canção de James Brown & Betty Jean Newsome
Acordar nesta quinta-feira, 13 de junho de 2024, foi chato demais. Nem sei se eu deveria me sentir assim, a manhã é maravilhosa, a cacofonia do centro da cidade está a pleno vapor e com a graça de Deus a mesa se não está farta, pelo menos tem as coisas que gosto no café da manhã. O problema é que tenho a mania de ligar o rádio bem cedinho e acompanhar o noticiário matutino. Eita, duas coisas de velho em uma frase só: rádio e matutino. Tem jeito não, a idade vem chegando, mansinha e imperceptível e quando já está instalada se torna predominante mostrando a todos nossa idade vetusta, confirmada até nas palavras que pronunciamos. Mas o rádio ainda está aí, muitas vezes atento e forte; matutino reconheço que é uma palavra macróbia, mas fazer o que, é o que tem para descrever a manhã de hoje. Manhã seguinte a um dia e uma noite decrépitos e danosos para os brasileiros e brasileiras.
Este é um ano de eleições municipais, quando são eleitos prefeitos e vereadores, que além de administrarem e legislarem em seus municípios, mantêm uma relação simbiótica de prestígio eleitoral com os deputados federais e estaduais que os ajudaram a se eleger. E se uma mão lava a outra, em 2026 virá a cobrança da fatura do apoio de hoje e tocará aos prefeitos e vereadores movimentar a sua “curralama” eleitoral, ajudando a reeleição dos deputados aliados.
Hoje em dia essa prática que vem desde os tempos da “caneta de pena de pato” nas eleições municipais tem mais um componente essencial que é o “dono” do partido. É a versão século XXI do “coronel” do interior. Manda prender e soltar, faz chover e trovejar com um assobio e afunda no limbo político desafetos e “traíras” com um estalar de dedos. São os presidentes dos partidos grandes, médios e nanicos. Todos estão sentados sobre o cofre do dinheiro do Fundo Eleitoral e do Fundo Partidário. Se o patrão não liberar, candidatos ficam obrigados a buscar dinheiro para seus santinhos e “disparos” na internet de porta em porta. E campanha sem dinheiro além de não dar mandato, dá é boleto para pagar com o dinheiro do próprio bolso, coisa que assusta político mais que água-benta assusta vampiro. Uma ou outra exceção existe, apenas para confirmar a regra. Sem padrinho político, que por sua vez tem que estar de bem com o dono do dinheiro do partido, ninguém se elege. E tem também, fenômeno brasileiro, candidatos apoiados por igrejas que “obrigam” seus fiéis a votarem neles.
Mas o que adianta eleger deputados e senadores que tem a cabeça formada nos exemplos de Torquemada e o espírito embalsamado nas trevas da Antiguidade? O que temos assistido no Congresso brasileiro é um festival de incompetência, má índole e revisionismo conservador da pior espécie. A noite de 12 de junho de 2024 em Brasília será lembrada como uma noite de descalabro legislativo, recheada de escusas negociações para a eleição da nova presidência da Mesa da Câmara, que acontecerá só no início de 2025. Primeiro, numa tentativa de “afago” à sociedade, aprovaram um projeto para acelerar a punição de deputados “brigões”, devido aos vexames semanais que vemos nos noticiários e nas mídias sociais. Na verdade, esse projeto dá é mais poder para a Mesa Diretora. Vai acabar dando em nada e o “circo” continuará impune.
Com outra e ainda mais descabida urgência, aprovada pela batuta do Presidente da Mesa, Arthur Lira, aprovaram a Lei do Tranca-Boca, que proíbe a realização de acordos de delação premiada em crimes de corrupção. Essa lei tem apenas um objetivo: salvar “aquilo” de Jair Bolsonaro. Não é preciso falar mais nada, né?
Mas o pior do pior ainda estava por vir. No final da sessão todos foram surpreendidos com a colocação em votação do projeto de lei antiaborto, de autoria do Deputado Sóstenes Cavalcante do PL-RJ. Esse projeto equipara o aborto feito após a vigésima-segunda semana de gestação ao crime de homicídio. Ou seja, a mulher, mesmo que tenha sido estuprada, pode ser condenada por homicídio e estará sujeita a uma pena maior que a pena do estuprador, caso venha a ser condenada. Foi colocada em votação rapidamente, sem aviso prévio e foi aprovada depois de, pasmem, 23 segundos por votação simbólica, que é o tipo de votação feito quando houve um acordo de bancadas. Os líderes da situação “moscaram” com o acordo e o projeto passou. José Guimarães, líder do PT na Câmara, liberou a bancada e afirmou que isso não é assunto do governo. É sim senhor, inclusive de saúde pública, pois a maioria das mulheres e adolescentes que sofrem abusos são de baixa renda e escolaridade, da periferia e do campo.
O autor do projeto disse à jornalista Andréia Sadi que ele foi criado apenas para testar o “comprometimento” do Presidente Lula com os evangélicos. Uma casca de banana para ele e os candidatos da esquerda nas próximas eleições.
Enfim, esse é o nosso “mundo masculino” brasileiro. Branco, triste, opaco nas suas ideias, misógino, egoísta e que invoca o nome de Deus em vão. Hoje tenho dúvidas sobre o futuro do governo Lula. Que sejam elas infundadas, mas com um Congresso desses, e aqui incluo o PT e seus representantes, é melhor Lula se cuidar.
Ademã, eu vou em frente. Viva Ibrahim Sued!