Por Luiz Paulo Tupynambá
Alguns países tem rivalidades históricas que criam situações que chegam a ser cômicas ou mesmo caricatas. Brasil e Argentina são exemplos disso. Pelé foi o melhor do mundo ou foi Maradona? O tango é argentino ou uruguaio? Se Deus é brasileiro e nos deu habilidade infinita com os pés por quais motivos emprestou sua divina mão para o gol maroto dos argentinos contra a Inglaterra na quarta-de-final da Copa de 86?
Quando se trata de “nariz empinado” ninguém bate os ingleses. Veja porque: se no mundo o motorista senta do lado esquerdo do carro, os ingleses dirigem sentados do lado direito. O mundo adotou o sistema decimal para tudo, eles criaram o próprio sistema, com jardas, pés e polegadas e galões para medir os líquidos. Para que dividir a moeda circulante em centavos? Os ingleses acharam mais simples dividir sua Libra em shillings e pences, de um jeito que só os ingleses entendiam. Isso foi até 1971 quando o sistema decimal foi adotado na Inglaterra, coisa que aconteceu com muito debate no Parlamento e nas ruas. Com seus vizinhos franceses é uma convivência “possível neste momento”, como diria um lorde inglês em tradução não-literal, ou seja: “suportável porque é obrigatória”. A saída do Reino Unido da União Europeia apenas azedou mais a eterna rivalidade dos dois gigantes europeus.
Nesta semana os dois países realizam eleições que podem ser consideradas históricas. Mas, como manda a tradição, se um deles vai por ali, o outro vai para lá. Se um sai pela esquerda o outro sai pela direita. Na quinta-feira, 4 de julho a Inglaterra vota para renovar a Câmara dos Comuns, como é chamado o Parlamento inglês. É eleição de um turno, com cada distrito eleitoral elegendo um representante. A expectativa é de uma vitória esmagadora do Partido Trabalhista, acabando com o “reinado” dos Conservadores que estão no poder desde 2010.
Os ingleses encaram uma economia estagnada. A inflação está razoavelmente controlada, mas sem perspectiva de crescimento a curto prazo. Os programas sociais como o tradicional sistema público gratuito de saúde, não funcionam a contento, com longas filas de espera para consultas e exames. O nível de desemprego cresceu, há carestia de alimentos básicos e de fornecimento de matérias-primas importadas. Some-se aí a falta de confiança nos políticos ligados ao conservadorismo após Boris Johnson e suas festas durante a pandemia. Parece que desta vez os ingleses vão realmente “virar a mesa”, dando aos trabalhistas uma vitória nas urnas ainda maior do que a conseguida por Tony Blair em 1997, quando o Novo Trabalhismo conseguiu 418 das 650 cadeiras disponíveis. Se vai resolver a situação econômica da Inglaterra, ninguém pode afirmar. Mas o erro da saída do Brexit não será corrigido. Os europeus continentais guardam ressentimento do que acham ter sido “vaidade” dos ingleses e não vão abrir negociações para a volta da Inglaterra agora.
Domingo 7 de julho, no outro lado do Canal da Mancha (e não Canal Inglês, como os ingleses teimam em chamar o braço de mar que os separa do continente europeu) teremos o segundo turno das eleições parlamentares francesas. Aqui, é claro, é diferente da Inglaterra. Se no oeste do Canal a maré é vermelha, cor do trabalhismo inglês, no lado leste brilha a chama vermelha e azul do Reagrupamento Nacional, partido de Marine Le Pen.
Na França ocorre o segundo turno para a eleição dos representantes para a Assembleia Nacional. O segundo turno ocorre caso mais de um candidato tenha obtido mais de doze por cento dos votos e nenhum tenha conseguido a maioria absoluta. Após a vitória da direita francesa nas eleições para o Parlamento Europeu, o Presidente François Macron surpreendeu a todos dissolvendo o Parlamento e convocando novas eleições três anos antes das que estavam programadas. A cartada de risco de Macron é não deixar a direita conseguir ter a maioria absoluta na Assembleia Nacional. Na França a maioria parlamentar elege um primeiro-ministro, que é quem vai de fato, governar o país. Nesse caso, Macron ficaria até 2027 como um presidente atuante apenas como chefe de estado, sem governar de verdade.
Como a direita não conseguiu ainda a maioria absoluta, o partido do presidente e os demais de centro e de esquerda se juntaram numa frente ampla para tentar barrar a direita nessas eleições em segundo turno. Para isso precisa vencer na maioria dos distritos e com boa folga. Senão, assim como na Itália, teremos outro grande país europeu sob governo direitista.
A ascensão da direita populista na Europa é a maior preocupação dos líderes europeus nesta década. No cenário que se desenha junto com a provável eleição de Donald Trump em novembro e o consequente enfraquecimento da OTAN, teremos uma Rússia empoderada na sua queda de braço com o Ocidente. A forte guinada econômica global para o Oriente com a hegemonia econômica da China e crescimento da Índia tornam essa Europa nacionalista e desunida numa Europa fraca para defender seus interesses globais. Esse é o jogo global que Rússia e China estão jogando. Com Trump agora inimputável pela Suprema Corte, os Estados Unidos caminham para um isolacionismo que beira a idiotice.
Mas são esses os tempos de agora. Tempos em que as opiniões se sobrepõem aos pensamentos, onde o devaneio supera a realidade, onde o desvario supera à razão. Onde um algoritmo dita seus gostos, suas escolhas e até o seu tempo e local de fala. Assim é.