Semanas atrás, duas publicações tiveram grande repercussão na Internet e na imprensa mundo afora. A primeira, a já famosa carta aberta do Instituto para a Vida do Futuro, que pede uma “moratória”, de seis meses no mínimo, no desenvolvimento da Inteligência Artificial e o abandono do modelo de desenvolvimento atual, liderado pela Microsoft, OpenAi e Google. Os signatários pedem a adoção de medidas de regulamentação e organização desse desenvolvimento. Assinam a carta pesos-pesados das “big-tecs”, como Erlon Musk (Twitter, Tesla e SpaceX), Steve Wozniak (Apple), Jaan Tallinn (Skype) e Evan Sharp (Pinterest), além de pensadores como Yuval Noah Harari, Yoshua Bengio e Stuart Russel.
Alertam que o desenvolvimento de ferramentas de Inteligência Artificial perdeu o controle e ninguém mais sabe o que está sendo desenvolvido, por quem é criado e quem está utilizando. Ou seja, o carro perdeu o freio na descida, com o acelerador travado.
Segundo o Instituto para a Vida do Futuro, liderado por Max Tegmark, professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e pesquisador de IA, a Inteligência Artificial já está substituindo a mão de obra humana em diversas atividades, o que pode causar sérios problemas sociais e econômicos em todos os países do mundo. A curto prazo, segundo a carta, a maioria dos empregos será aniquilada pela automação de tarefas. Dou uma pausa aqui para notar que o Banco Goldman-Sachs, estadunidense, publicou um estudo feito por seus economistas, onde estima que 300 milhões de empregos serão eliminados no mundo com a chegada da Inteligência Artificial. Cerca de dezoito por cento da mão de obra nos países mais avançados poderá ser substituída por sistemas inteligentes. Note que isso ocorrerá em países mais desenvolvidos e dessa vez atingirá os chamados “white-collars”, trabalhadores com diploma universitário ligados às áreas de planejamento e administração. Engenheiros de todas as formações, advogados, arquitetos, programadores de nível baixo e médio, etc. E claro, os primeiros a perderem serão aqueles que criam, escrevem, redigem, desenham. Trabalhadores de funções manuais onde não se compensa financeiramente (ainda) automatizar como limpeza cotidiana, preparação de alimentos, cabeleireiras, barbeiros e outros estão fora desse tsunami.
Outro ponto apontado pela carta é o risco de que um avanço descontrolado pode significar um risco para a existência humana. Veja este trecho da carta: “Inteligências artificiais avançadas podem representar uma mudança profunda na história da vida na Terra, e devem ser planejadas e administradas com cuidado e com recursos comensurados”. E mais: “Devemos deixar máquinas inundar nossos canais de informação com proselitismo e inverdades? Devemos automatizar todos os trabalhos, incluindo os satisfatórios? Devemos desenvolver mentes não humanas para poder eventualmente nos superar em número e ao nível de inteligência, nos tornar obsoletos e nos substituir? Devemos arriscar perder controle da nossa civilização?”. Porém, Amazon, Microsoft e Alphabet (Google) não assinaram.
A chamada indústria da tecnologia está perdendo dinheiro desde o fim da pandemia. As mesmas empresas que falam em eliminação de vagas, foram as primeiras a demitir milhares de funcionários. Na crise vale tudo para tirar o pedaço do bolo do vizinho. Como se vê, a chamada indústria da tecnologia e eu pessoalmente penso que temos que buscar uma regulação imediata no desenvolvimento da Inteligência Artificial. Desacelerar a corrida e checar a rota é necessário e o momento é este. A verdade é que, agora, a corrida sem regras ou trégua em direção ao futuro El Dorado da Internet começou. Quem tem mais cacife, que são os maiores parques de servidores e as redes que os interligam, saiu na frente e não quer saber de diminuir o ritmo. Pausar agora, para essas companhias, significaria dar fôlego para quem, em breve, poderia jogá-las para fora da pista.
O que serve para o Bem, pode servir para o Mal. O que separa o Céu do Inferno não é uma barreira física. É uma barreira moral. O mundo de hoje já está saturado com uma civilização tóxica que continua segregando brancos de negros, indígenas e outras etnias. Que “esquece” da existência de todo um continente, que é a África, abandonado à própria sorte. Que continua baseando suas opções políticas em quimeras e saudosismos. Que teima em delegar liderança e poder a homens violentos, psicóticos e misóginos. Que aplaude os feitos de violência, como a guerra e a repressão social e política, e desdenha da solidariedade e do pensamento criativo.
Sim, como no conto infantil “Pedro e o lobo”, musicada por Sergei Prokofief, o lobo existe, mas não é preciso, ainda, alarmar toda a aldeia global. Ainda temos tempo de repensarmos em como vamos utilizar a tecnologia para construirmos uma nova civilização baseada nos valores éticos que conhecemos e temos que respeitar. Se vamos abrir uma Caixa de Pandora, que desta vez não contém a Esperança ou se esfregaremos a lâmpada de Aladim, que terá um gênio capaz de satisfazer um infindável número de desejos humanos, está por nossa conta e risco.
Mas que o lobo está uivando na curva da floresta, ele está sim.